quinta-feira, agosto 16, 2007

Navegando pela internet, encontrei este texto. Caiu como uma luva, ainda mais porque foi escrito por nada menos que Caio F.:

sugestões para atravessar agosto

caio fernando abreu (o estado de são paulo, 06/08/95)

para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro - e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. é preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.

para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir. dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. são incontroláveis os sonhos de agosto: se bons deixam a vontade impossível de morar neles; se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. muitos vídeos, de chanchadas da atlântida a bergman; muitos cds, de mozart a sula miranda; muitos livros, de nietzsche a sidney sheldon. controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.

claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente agosto. angústia agostiana é coisa cultural, sim. e econômica. mas pobres ou ricos, há conselhos - ou precauções - úteis a todos. o mais difícil: evitar a cara de fernando henrique cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia, categoria originalidade... esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo zap!): fhc agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.

para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu - sem o menor pudor, invente um.pode ser natália lage, antônio banderas, sharon stone, robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do pacífico sul, grécia, cancún, ou miami, ao gosto do freguês. que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à luz da lua cheia, brilhos na costa ao longe. e beijos, muitos. bem molhados.

não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se ou lamuriar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques - tudo isso ajuda a atravessar agosto. controlar o excesso de informação para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. esquecer o zaire, a ex-iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas - coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. é isso mesmo; evasão, escapismos. assumidos, explícitos.

mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:.

2 Comments:

At 5:37 PM, Blogger Teresa Azambuya said...

Maria Fê, lavei a alma. Meu agosto tá um quase desgosto mesmo, não fosse aquele bochechudo lá em casa. To te devendo uma visita, eu sei, perdão! Mas to aí, tentando levantar dos tombos reais (viu a foto no meu blog?) e outros do gênero que ando levando...
Saudades, viu? Eu vou na tua casa sim, tá, mas não vou ficar prometendo o dia pra não te encher de desculpas...
Beijocas,
Tere

 
At 12:02 AM, Blogger .... said...

fê, descobri teu blog! que maravilha! ótima a sensação de "saber" de ti, ótimo "ouvir" de novo tuas idéias, ótimo esse texto do caio f., de quem - juro! - sempre que leio algo ou ouço falar lembro de ti. instantaneamente.
aliás, o texto é tão incrivelmente pertinente a este meu agosto, que vou até colocá-lo no meu blog também - creditando a descoberta a ti, é claro. posso?

saudades, queri!
beijos

 

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